sábado, 24 de novembro de 2007

As minhas Preferências por Daniela Bento





Na minha sinceridade digo que realmente nunca fui muito apreciadora de poesia. Talvez porque nunca tivera curiosidade em lê-la, talvez por pura preguiça, pois a poesia não é um texto fácil, a verdade é que desconhecia a maior parte dos poetas e das suas obras. Um dos meus ilustres desconhecidos era Fernando Pessoa e os seus heterónimos. Agora que pude sair da ignorância posso finalmente opinar sobre as minhas preferências, agora relativamente a Ricardo Reis.
De todas as Odes de Reis por mim analisadas, as que mais gostei foram “A palidez do dia é levemente dourada”, a mais conhecida “Vem sentar-te comigo Lídia” e ”Ouvi contar que outrora”. De entre estes três, o que mais me impressionou foi o último.
O poema “Ouvi contar que outrora” apresenta uma estrutura tripartida, com uma narração alegórica, uma reflexão e uma conclusão de tom moralista. Assemelha-se quase a um texto narrativo, pois apresenta personagens e há uma acção que se desenrola no tempo e no espaço: dois jogadores de xadrez fazem uma partida, enquanto a guerra se dá em volta deles.
As características ricardinas predominantes e, no poema, levadas ao extremo são a apathia e atharaxia (indiferença face aos gritos de dor e medo e ao que se passa na guerra e a manutenção da tranquilidade) : “ ardiam casas, (…) / Violadas, as mulheres eram postas/ Contra os muros caídos / (…) E (…) os jogadores de xadrez jogavam / o seu jogo do xadrez” ; a busca do prazer sem correr riscos : “O que levamos desta vida inútil / tanto vale se é / a glória, a fama (…) / como se fosse apenas / a memória de um jogo bem jogado”; e o fardo pesado da efemeridade da vida : “E a vida passa e dói porque o conhece”.
Apesar das condições adversas à tranquilidade os jogadores de xadrez mantêm-se calmos e indiferentes aos apelos. Não reagem aos impulsos instintivos mantendo uma posição firme, disciplinada. Esta é a filosofia que nos é apresentada como ideal, devendo pois ser seguida. Daqui o tom moralista do poema. Os jogadores de xadrez servem-nos como exemplo.
Foi devido a todas estas características e à própria “ história” em si que é este o texto de que mais gosto de Ricardo Reis. Apesar de ser num estilo clássico e de apresentar, como todos os outros, as características inerentes a poética do heterónimo, é mais directo e causa uma maior sensação no leitor (sensacionismo). A imagem desta indiferença e a calma ilusória nestas circunstâncias extremas podia ser retratada num excêntrico quadro de Salvador Dali. Fazendo um pequeno à parte e fugindo à ideologia do poema repare-se que os jogadores de xadrez podiam ser substituídos por alguns chefes políticos…

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